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Capítulo Brasileiro da Internacional Association for the Study of Pain - IASP


Estudos sobre dor no Brasil e consenso brasileiro sobre o uso de opioides em dor

Há exatamente dois anos reunia-se em São Paulo um grupo de médicos e profissionais da área da saúde, todos experientes na área de dor, sob os auspícios da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor – SBED, com o objetivo principal de estudar, revisar, discutir e, se possível, delinear as diretrizes para o uso de opióides, tanto no tratamento da dor aguda como da crônica, em nosso país. Participaram também dessa reunião representantes das Associações Médicas de Anestesiologia, Cuidados Paliativos, Oncologia e Ortopedia.

Entre as metas delineadas para o uso de opióides no controle da dor crônica e aguda destacavam-se:

  • Elaborar recomendações para uso de opióides no controle da dor aguda e crônica.
  • Elaborar um guia prático para ser utilizado por especialistas e não-especialistas em dor no controle da dor aguda e crônica.
  • Desmistificar a visão da dependência /adição e demais eventos adversos dos opióides como barreiras ao tratamento efetivo da dor com opióides.
  • Divulgar as evidências disponíveis em relação a indicação dos opióides em idosos, crianças, emergência, pós-operatório, lactação, gestação, pacientes com câncer, dores neuropáticas e musculoesqueléticas.
  • Disseminar recomendações práticas para uso de opióides nas diferentes situações clínicas e populações.
  • Estimular a pesquisa e o conhecimento na área de dor, especificamente relacionada a segurança e efetividade dos opióides.
  • Fornecer subsídios para que os pacientes com dor que tenham indicação de uso de opioides sejam adequadamente tratados.

Mais três reuniões seguiram-se a essa e, após um exaustivo trabalho, saem neste número da Revista Dor os primeiros resultados publicados em um artigo de revisão (Kraychete et al.,).

Não há dúvida quanto a questão da eficácia dos opióides no controle da dor aguda, entretanto existem controvérsias sobre seu uso na dor crônica, particularmente na não-oncológica. Por outro lado, são reconhecidos seus riscos, embora exista enorme desconhecimento sobre as evidências científicas que os estudos clínicos nos trazem sobre essas questões. Na questão mundial parecem emergir dois polos: de um lado, os países em desenvolvimento, onde a demanda é maior que a oferta, e do outro, nos desenvolvidos, a polêmica sobre os efeitos adversos, que aponta para o uso racional em que se considerem riscos e benefícios. Essas questões também precisam ser discutidas em nosso país, à luz de nossa realidade sócio-econômica, de nossa legislação, de nossas políticas de saúde pública e das nossas enormes diferenças regionais. Sem dúvida, este foi o primeiro passo.

Para realçar essa questão, lembremos, como disse o doce Cândido, que "é preciso cultivar o nosso jardim." Assim, a SBED iniciou uma análise dos estudos epidemiológicos brasileiros disponíveis sobre dor – são poucos ainda, porém de boa qualidade. Dezesseis chamam a atenção – alguns deles os nossos mais citados na literatura científica internacional sobre epidemiologia da dor. Entre eles destacam-se:

  • Seis sobre dor crônica: um deles na unidade de Atenção Básica à Saúde – UBS, cuja prevalência foi de 30% (Barea et al., 1996; Gureje et al., 1998; Dellaroza et al., 2007; Sá et al., 2008; Moraes Vieira et al., 2012; Elzahaf et al., 2012).
  • Cinco sobre cefaleia: um mostra que ela afeta 10% dos que procuram a UBS (Sanvito et al., 1996; Bigal et al., 2000; Benseñor et al., 2003; Traebert, Peres, 2005; Queiroz et al., 2006)
  • Cinco sobre dor orofacial, sendo três sobre dor de dente: um deles mostra que cerca de 17% das crianças abaixo de cinco anos de idade sofrem e choram devido à dor de dente; e que apenas 10% delas tiveram atendimento dentário; ironicamente no país com maior número de cirurgiões dentistas e faculdades de odontologia do mundo (Goes et al., 2007; Moura-Leite et al., 2008; Bastos et al., 2008; Gonçalves et al., 2010; Siqueira et al, 2013). É de lei que o estado brasileiro cuide das nossas crianças. Muitas delas ainda estão à espera. O atual tema do Ano Mundial Contra a Dor é exatamente Dor Orofacial. Esses números mostram que há muito o que fazer também nessa área.

Em geral, esses estudos apontam que a dor, qualquer que seja sua origem, está frequentemente associada à baixa renda, menores níveis de escolaridade, alcoolismo, ao gênero feminino e às alterações da saúde mental. Destacam-se, portanto, os problemas socioeconômicos, independente de a dor ser aguda ou crônica. A conclusão é óbvia: a dor é uma questão de saúde pública também em nosso país. Além disso, em dois desses estudos, existem dados que mostram que embora cerca de 50% das pessoas pesquisadas estejam medicadas, a maior parte delas está descontente com os resultados. Então, é pertinente a série de artigos que se inicia neste número sobre o uso de opióides no tratamento da dor.

Portanto, em nome da SBED, especialmente neste ano em que se comemora seus 30 anos de existência, congratulo-me com esse grupo de trabalho. Reconhecendo o esforço realizado, parabenizo-o e cumprimento-o através de seus denotados coordenadores, os drs Durval Kraychete e João Batista Garcia. Reconhecer também o apoio da indústria privada, de modo ético e isento, na viabilização dessas reuniões também é nosso dever.

Espero que a série de artigos que agora se inicia auxilie aos clínicos da dor na sua difícil tarefa de aliviar o sofrimento humano. Que cumpra também as metas de disseminar recomendações práticas e desmistificar o uso de opiodes no tratamento da dor.

Editorial publicada na Revista Dor de 2013 out/nov/dez nº14(4): 237-38. Revista Dor: https://www.dor.org.br/revista-dor

Texto de José Tadeu Tesseroli de Siqueira
Presidente da SBED

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